quarta-feira, 23 de abril de 2014

Satiagraha: Gilmar Mendes processa repórter autor de livro

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) na época da Operação Satiagraha, da Polícia Federal, o ministro Gilmar Mendes ingressou com ação pública na Justiça de Brasília pedindo indenização ao jornalista Rubens Valente em virtude das citações feitas a ele no livro “Operação Banqueiro”.
 
A ação impetrada por Mendes contra o jornalista e a editora Geração Editorial, responsável pela publicação da obra, corre na 15ª Vara Cível do Distrito Federal, onde o ministro pede indenização de R$ 200 mil por danos morais em virtude de informações publicadas. 
 
“A suposta reportagem investigativa, redigida muitas vezes em irônico tom de denúncia, reitera-se, é composta por diversas frases que, além de desinformarem o leitor, são deliberadamente difamatórias e injuriosas”, argumenta a petição de Gilmar Mendes, assinada pelo advogado de defesa do ministro, Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch.
 
Em resposta ao ministro, o jornalista Rubem Valente publicou nesta sexta-feira (11) no Facebook que Gilmar Mendes foi procurado diversas vezes durante o processo de elaboração da obra, que trata sobre as relações conflituosas do banqueiro Daniel Dantas com integrantes do Judiciário e do Executivo brasileiro, durante as investigações da Polícia Federal. 
 
“Acho oportuno reafirmar aos leitores que procurei o ministro Gilmar Mendes inúmeras vezes ao longo da elaboração do livro, por meio do então assessor de imprensa do STF, por e-mails e telefonemas à sua assessoria. Infelizmente, ele deixou de me receber, abrindo mão da oportunidade de, tranquilamente e com todo o tempo necessário, oferecer a sua versão sobre os fatos. Recusou-se quando poderia se manifestar, e agora procura o Poder Judiciário, no qual ocupa importante cargo, para obter deste jornalista e da editora uma série de providências, incluindo alta soma de dinheiro”, diz Rubens Valente. 
 
O autor de “Operação Banqueiro” acusa o ministro Gilmar Mendes de tentar censurar o livro ao querer alterar o conteúdo da publicação com a ação impetrada na Justiça: 
 
“A petição formulada pelo ministro, já prontamente disponibilizada na internet, estabeleceu um valor de R$ 200 mil para a causa e pede ao Judiciário que nos obrigue, dentre outras coisas, a publicar no livro, em futuras edições, a íntegra de sua própria petição, no que se configura uma clara tentativa de alteração do conteúdo de uma obra que foi publicada de acordo com as leis em vigor, dentro das regras democráticas conquistadas à custa de muito sacrifício do povo brasileiro. (…) Basta folhear o livro para verificar que ele se trata de uma narrativa objetiva dos fatos. Não há uma única “acusação” como esta agora apresentada pelo ministro. O ministro também não apresenta uma única palavra que possa ser considerada “ofensiva” contra ele”, argumenta o jornalista.
 
Histórico
Deflagrada em 2008, a operação da Polícia Federal comandada pelo delegado Protógenes Queiroz (hoje deputado federal pelo PCdoB) buscava, segundo o livro, desmontar um sistema de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o banqueiro Daniel Dantas, líder do Grupo Opportunity, peça decisiva na trama da privatização do sistema Telebrás. 
 
A operação abriu o que se chama de "caixa de Pandora" das entranhas do poder no Brasil, numa trama que permeou a maior disputa societária da história do capitalismo brasileiro. Trama que, portanto, trafegou por governos, partidos, Poder Judiciário e até a Polícia Federal.
 
Segundo Rubens Valente, a ação proposta por Gilmar Mendes servirá para reafirmar o direto legítimos de liberdade de imprensa dos jornalistas narrarem os fatos cotidianos das esferas de poder no Brasil. 
 
“No decorrer da ação, vou demonstrar que simplesmente exerci o meu ofício de jornalista e o meu direito de cidadão de fazer um retrato de determinada realidade, tendo por base inúmeros documentos e entrevistas, incluindo declarações públicas do próprio ministro. Entendo que o ministro possa ter ficado incomodado com certos fatos que o livro trouxe à tona ou que simplesmente recuperou de fontes públicas e já antes divulgadas. Mas ele, como homem público que ocupa cargo de alto interesse público, membro da mais alta corte de Justiça, deve compreender que a democracia não apenas comporta, mas impõe a existência de um ambiente seguro para o registro independente jornalístico sobre fatos e comportamentos de seus mais conhecidos homens públicos. É parte da democracia e em nenhum momento excedi o meu direito de expressão consagrado na Constituição”, afirma Valente. 
 
Sobre o livro, Rubens Valente deu uma entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, detalhando o papel de cada um dos envolvidos no processo da Satiagraha, incluindo o ministro Gilmar Mendes. 


Reprodução de texto de Rodrigo Rodrigues, no Terra Magazine.

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