terça-feira, 19 de abril de 2016

Amanhontem

Perdoe, leitor, esse pobre cronista que vos escreve de um passado remoto. Esse é um dos problemas do jornal: tudo o que você está lendo aí foi escrito no passado –às vezes algumas horas, às vezes alguns dias. Esta crônica é ainda mais velha que o resto do jornal– tive que mandar a coluna com dois dias de antecedência porque esta "Ilustrada" fechou no sábado (16). Observe-a com atenção. Perceba suas rugas, seus buracos de traça, seu cheiro de naftalina. Já posso ver, daqui do passado, que caducou.
Nem toda crônica envelhece tão mal –a culpa é desse dia que vocês chamam de ontem e a gente aqui do passado insiste em chamar de amanhã. Esse dia –chamemo-lo de amanhontem– deve durar uns sete meses, posso apostar. O país vai parar para ver se a presidenta cai ou a presidenta fica. Não tem crônica que sobreviva a isto. Quer dizer, tem.
O cronista do passado, se fosse esperto, falaria de outra coisa. Bom, posso garantir que ele tentou. Começou a escrever sobre a tomada de três pinos, e quando viu estava esbravejando que não espanta que as pessoas queiram tanto o impeachment do governo que inventou essa tomada. Não –amanhontem isso já vai estar datado porque o impeachment já vai ter acontecido– ou não. Ia falar da Carreta Furacão –mas impossível não falar que a Carreta é pró-impeachment. Pensou em falar da patafísica –depois lembrou que a patafísica talvez evoque os patos da Fiesp. Desistiu. Essa crônica já nasceu obsoleta.
Do alto da ignorância que caracteriza os seres do passado, não faço ideia se o Congresso vai derrubar Dilma ou se vai mantê-la. A ignorância, nesse caso, pode ser uma bênção. Por isso ouçam essa alma do passado, amigos do futuro. Não importa o que aconteceu/acontecerá amanhontem. Independente do resultado da votação, perdemos, porque quem votou foram os réus. Perdemos porque entregamos o futuro do país nas mãos do pior congresso da história. Perdemos porque acreditamos numa desratização comandada pelos ratos.
Independente do resultado de amanhontem, sonho com uma segunda-feira em que os dois lados percebam que o inimigo não está do outro lado do muro que foi erguido na esplanada. O inimigo está lá dentro do Congresso, tentando tomar o poder. E tudo indica que vai conseguir.
O Brasil não está dividido. O Brasil está unido pelo repúdio a Eduardo Cunha e Michel Temer. Independente do resultado, precisamos ir para rua. Pela primeira vez, juntos.


Texto de Gregório Duvivier, na Folha de São Paulo

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