sábado, 9 de dezembro de 2017

A escolha de Sofix

Conversei recentemente com minha obstetra sobre a hora do parto. Não quero que seja meu corpo a decidir que nenêx está pronto e sim que seja nenêx a decidir que é chegada a hora de liberar minhas costelas de tamanha dor. Ela me garantiu que essa é uma decisão muito mais de nenêx do que minha. Que alívio. A natureza, em sua sabedoria esplêndida, já era hipster millennial quando inventou o parto.
Assim que bebêx nascesse, adoraria perguntar se bebêx aceita a roupa amarela, que intitulei de unissex, mas isso é uma imposição minha, não tem como saber o que bebêx acha do amarelo (muito menos se vai gostar de saber que usei o termo unissex pra me referir a algo que vai em seu corpo). Bebêx ainda não falará por um bom tempo e isso me deixa louca. Contratei então uma taróloga famosa da Vila Madalena, pra perguntar a bebêx se tudo bem as cores amarelo, branca, verde água e cinza. Ela, que além das cartas também faz uso de ultrassom holístico, disse que bebêx estava chupando o dedão, ou seja: fazendo um joinha interno. Ou seja: tá liberado.
Difícil registrar criança sem saber se criança quer ter a existência documentada. Por isso deixarei em aberto seu nascimento até que criança me diga: eu. Ou melhor: estou. Enquanto criança não aceitar que vive neste planeta, não forçarei a barra.
Exame do pezinho: pularei. Quando puder caminhar assertivamente, o próprio pezinho decidirá se deseja ser examinado. Banho, vulgo invasão de um corpo por estranhos: só darei se recém-nascidx for ao encontro da água.
Acho barra pesada a água ir ao encontro de recém-nascidx (e acho surreal pensar no Mussum agora, em meio a um assunto tão sério), oprimindo uma pequena alma a imposições mundanas de higiene.
Infelizmente, mamy natureza também pode ser bem mandona. Então, porque sou branquela e meu marido é mais pro moreno, há grandes chances de nosso rebentx nascer ou branquelx ou morenx ou uma misturx de ambox. Não resta a rebentx nenhuma chance de vir japonêx, pardex ou parecido com a Björk.
Fico na dúvida sobre trazer filhx pra casa. Filhx já sabe se quer morar comigo? Aceita a limitação de um quarto, uma família composta por dois gêneros, uma cidade? Quer ser brasileiro? Quer ouvir o ensaio de carnaval da PUC? A gente sabe como é difícil decidir "morar com alguém" mesmo com mais de 30 anos, às vezes mais de 40... e queremos o quê? Que ser humanx de poucos dias já decida isso? Nossos pais nos trouxeram pra casa (pelo menos boa parte deles) e agora onde estamos? Na terapia, na farmácia, na meditação ou, pior ainda, na Casa do Saber. A gente sabe que não foi fácil.
Milhões de pediatras do mundo todo falam dos benefícios do leite materno. Mas vamos supor que pequenx humanx, tendo à sua direita um seio entumecido e à sua esquerda uma cachaça, sinta-se atraidx pela segunda opção. O que você, hipster millennial faria? Quem sabe mais sobre desejos: a medicina ou o inconsciente de pequenx humanx?
Arrotar: já reparou que não é uma decisão natural de bebêx e que precisamos bater nas costas de bebêx? A mãe não acha que é violência, mas bebêx ainda não tem o lugar da fala pra opinar. Pare pra pensar sobre isso.
Quando seu chefe, depois de uma reunião, ou o tio do pavê, depois da ceia de Natal, lhe dá o famoso tapinha nas costas... você se sente mal ou não? E você é um adulto!
Muito complicado dar à luz pequerruchx descendente que ainda não decidiu se quer descender de mim e pode muito bem preferir o escurinho.


Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo.

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